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Princípios do feminismo
2 anos atrás / 9 min de leitura
Em 1949, quando Simone de Beauvoir disse: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, ela iniciou um debate sobre uma construção social enraizada e fez questionamentos importantes e precisos sobre a desigualdade de gênero, por uma ótica reflexiva.
Na etimologia da palavra, o Feminismo vem do latim femĭna, e significa “mulher”, e é a palavra que carrega um conceito que surgiu no século XIX, e que se desenvolveu como movimento filosófico, social e político.
Com o passar dos anos, a luta feminista foi tomando forma e se expandindo na sociedade buscando o avanço nas conquistas de direitos e igualdade de gênero. As mulheres lutaram por direitos trabalhistas, de votar e contra opressões da sociedade e no seu próprio ambiente familiar.
É por meio dessas lutas que outros movimentos femininos ganharam forças. Por causa desse fortalecimento, outras frentes relacionadas a mulheres ganharam espaço e questionaram o modelo estrutural, buscando corrigir as diferenças sociais e políticas de cada grupo e suas particularidades.
Para entender os princípios do feminismo, neste artigo vamos primeiro explicar o contexto social em que ele está inserido e seus conceitos.
O que é Feminismo?
O feminismo é a crença na igualdade social, política e econômica dos sexos e combate ao modelo social baseado no patriarcado e a violência e abusos contra as mulheres. Ele é um movimento de mulheres para mulheres e desde o século XIX tem conquistado seu espaço, promovendo mudanças sociais e políticas.
Suas principais conquistas foram:
- • O acesso à educação formal;
- • O direito ao voto e à elegibilidade para mulheres;
- • A liberdade civil;
- • Autonomia legal, como o direito à posse, direitos trabalhistas e direito ao divórcio.
Outros direitos que ainda hoje estão sendo alcançados são: os direitos reprodutivos e a luta contra a violência física, sexual e psicológica, que são hoje, as bandeiras mais importantes para garantir a segurança e autonomia da mulher.
A igualdade jurídica defendida pelos princípios do feminismo, também incorpora demandas importantes para a emancipação feminina e construção de sociedades igualitárias entre homens e mulheres.
Essa igualdade precisa acontecer no campo de oportunidades, direitos políticos, liberdades civis, direito à educação, direitos reprodutivos (dentre eles, o que mais causa controvérsia é o direito ao aborto), direitos trabalhistas, equiparação salarial e divisão do trabalho doméstico.
Além disso, o feminismo também combate as formas de opressão social e cultural como o assédio moral, psicológico, físico, a violência física e sexual, bem como a imposição de padrões de beleza e comportamento.
Quem foi a primeira feminista da história?
Quando falamos de um contexto histórico, a Revolução Francesa foi um marco para a conquista de direitos civis em 1789. Influenciados pelos ideais do Iluminismo, os direitos dos homens foram ampliados, mas as mulheres não foram contempladas nesse avanço.
Mesmo assim, já podemos encontrar base para o movimento feminista nesse período com a ativista francesa Olympe de Gouges (1748-1793) autora da “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã” (1791) que custou sua vida dois anos mais tarde, sendo condenada a morte.
Outra figura importante nesse período foi a educadora inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797), que publicou em 1792 o artigo “Reivindicação dos direitos das mulheres” que defendia que as mulheres deveriam ter os mesmos direitos à educação formal que os homens. Rosa Luxemburgo (1871-1919) foi uma filósofa marxista que foi a primeira a falar especificamente sobre a mulher operária.
Mesmo antes dessas mulheres importantes, em outros momentos da história existiram mulheres que combatiam a opressão sofrida e escreviam sobre suas experiências e reflexões, mas como num movimento sólido, o feminismo somente passou a existir no século XIX, com a Revolução Industrial, como marco que reestruturou as sociedades ocidentais e deu voz a muitos outros movimentos.
Feminismo no Brasil
Aqui no Brasil, a educadora Nísia Floresta (1810-1885) foi a precursora do movimento. Ela fundou no Rio de Janeiro o colégio Augusto, voltado apenas para meninas e com as mesmas disciplinas que ensinavam para os meninos em 1938.
No século XIX já havia artigos em circulação sobre a emancipação das mulheres e em 1932 ela publicou “Direitos das mulheres e injustiças dos homens” que defendia a igualdade à educação e direitos políticos, considerado uma livre tradução do artigo de Mary Wollstonecraft.
Já no início do século XX, houve um grande crescimento de grupos de mulheres em busca de direitos. A primeira grande agremiação foi o Partido República Feminino que a professora e indigenista, Leolinda de Figueiredo Daltro (1859-1935), fundou em 1910.
Outra importante agremiação que foi determinante para a conquista do voto feminino aqui no Brasil, foi a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Liderada por Bertha Lutz (1894-1976) e aliada de movimentos feministas de outras partes do mundo. Foi uma luta pacífica através de propagandas, panfletos, artigos, palestras, conferências, reuniões políticas, cartas endereçadas a parlamentares e assessoria jurídica a mulheres, até que, em 1932, o voto feminino fosse garantido.
Mais tarde, em 1940 e após as décadas de 1960 e 1970, o movimento brasileiro feminista encontrou muitos obstáculos devido aos regimes autoritários em ascensão no país, impondo repressão estatal e hostilidade com a classe defensora dos movimentos políticos de esquerda, que não eram considerados pautas no processo de redemocratização. Neste período houve um importante movimento articulado por mulheres para participar da Assembleia Nacional Constituinte (1987) que ficou conhecido como lobby do batom. Entre as mais recentes conquistas desse movimento estão:
- • Lei Maria da Penha (2006);
- • Lei do Feminicídio (2015) e;
- • Lei da Importunação Sexual (2018).
Todas elas sendo ferramentas de grande importância e um grande passo para conquistas dos direitos das mulheres.
Quais são os tipos de feminismo?
Não podemos esquecer que a realidade não era igual para todas as mulheres. Esses movimentos iniciais foram importantes para que os direitos adquiridos pudessem ser exercidos, mas não refletiam a vida de todas. Existe uma opressão estrutural que perdura até hoje, o caminho é longo, mas precisa de um recorte para ser visto em sua totalidade como pela etnia, classe social, escolaridade, renda, idade, entre outros fatores igualmente importantes.
Isso mostra que as lutas das mulheres de classe média alta e as demandas de mulheres operárias e negras são muito diferentes. Mulheres da classe média reivindicavam o direito de poder trabalhar em fábricas e ter sua independência, enquanto as mulheres operárias buscavam melhorar seus salários, porque já trabalhavam em condições precárias.
Já as mulheres ricas, lutavam pelo direito de ter bens e propriedades em seu próprio nome. Dessa forma, cada um dos grupos de mulheres tinham suas demandas e ideais políticos e sociais, e foi isso que contribuiu com esse agrupamento por diferentes reivindicações:
Feminismo radical
Como o próprio nome já diz, essa classificação tem cunho mais revolucionário. Defende a abolição da ideia de gênero e diz que o próprio conceito de gênero carrega um peso que sempre recai sobre o ser mulher.
Explica que, por causa de sua forma de criação, as meninas são condicionadas desde cedo a forma de agir, se vestir, como falar, suas profissões, brincadeiras que podem ou não participar e etc.
Esse formato de educação baseado em gêneros traz marcas como o preconceito, limitações de suas habilidades e até a estruturação patriarcal que fica tão enraizada nessa cultura de gênero. As feministas radicais defendem que o órgão genital é apenas mais um órgão fisiológico e que isso não determina as escolhas comportamentais de cada ser humano.
Feminismo liberal
O movimento sufragista é o melhor exemplo que temos do feminismo liberal. Ele defende a igualdade entre mulheres e homens institucionalmente e, também, a inserção das mulheres nas estruturas dos modelos já existentes. É focado no ser humano, assegurando suas escolhas com garantias legais e são garantidas pela participação política em casa de leis.
Interseccionalidade
Essa vertente é uma oposição ao feminismo branco. Agrega o feminismo indígena, feminismo lésbico e transfeminismo e diz que, existem mais fatores do que pregam as outras vertentes para serem considerados, que geram opressão e violências muito específicas, e precisam de reivindicações igualmente formuladas.
Feminismo marxista
Também chamado de feminismo socialista, é uma crítica ao feminismo liberal. É a vertente que inclui em sua base a desigualdade social, que são disfunções que nem sempre se resolvem por meios jurídicos.
Entende que a opressão que as mulheres sofrem tem relação direta com o modelo econômico capitalista e não apenas com o machismo. Entre suas pautas estão: o direito ao trabalho, a redivisão sexual do trabalho – inclusive o doméstico e o reprodutivo, até a socialização dos meios de produção.
Feminismo negro
É a vertente que aborda a dupla opressão sofrida por mulheres pretas: a de gênero e a de raça. Fazendo com que a questão racial seja um recorte, e também seja vista com a mesma força.
Uma das maiores ativistas referência para o feminismo negro é a Angela Davis (1944- até hoje) que, com sua publicação “Mulheres, raça e classe” de 1981, trouxe esse debate com fatores históricos e análises. No Brasil, tivemos Lélia Gonzalez (1935-1994) que foi uma importante liderança do feminismo negro e teve muitos artigos publicados e participações em movimentos e coletivos.
Feminismo anarquista
Também chamado de anarcofeminismo, não vê nas instituições um meio de transformação da sociedade. Acreditam que o direito ao voto e as leis conquistadas não dão voz às mulheres. Elas acreditam em uma sociedade onde não há governos e homens e mulheres vivem na sua integridade e sem colocá-las à margem.
Quais são as principais reivindicações do movimento feminista?
Dentro do próprio movimento, além das vertentes existentes, as pautas de reivindicações também são classificadas, mas desta vez, por tempo, e reguladas pelos períodos divididos em quatro importantes ondas, como mostra abaixo:
Primeira onda:
Ocorreu no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, e a principal reivindicação era o direito ao voto feminino e a elegibilidade feminina. Com esse direito assegurado, outras pautas que dependiam de mudanças de leis como: o direito ao divórcio, igualdade entre homens e mulheres da sua classe, treinamento educacional formal e científico, bons empregos, melhoria das condições de trabalho para as mulheres já operárias, melhora dos baixos salários e sobrecarga no trabalho doméstico, estariam caminhando para uma evolução se todas pudessem votar em seus interesses.
A Finlândia foi o primeiro país a garantir o voto feminino em 1893. A maioria dos outros países concedeu esse direito durante o século XX e o último país a efetivar o voto feminino foi a Arábia Saudita, em 2015.
Segunda onda:
Na segunda metade do século XX inicia-se a segunda onda do feminismo, mas especificamente entre as décadas de 1960 e 1980. A principal pauta desse período era a sexualidade feminina, como o prazer feminino, liberdade sexual, direitos reprodutivos, saúde da mulher e o estupro.
Esse momento foi marcado pela invenção da pílula anticoncepcional e da ressignificação do sexo, não somente como meio para a procriação, mas para o prazer. Outras pautas foram: violência doméstica, trabalho doméstico não remunerado realizado apenas por mulheres e o planejamento familiar levando em consideração quantos filhos e quando tê-los.
Terceira onda:
Aconteceu na década de 1990, quando houve uma grande reação por parte de políticos conservadores considerando pautas igualitárias já desnecessárias. É nesse momento que novos trabalhos teóricos ganham força e ainda trazem em si a concepção de interseccionalidade, trazendo recortes de raça e orientação sexual, gerando demandas específicas de violência e machismo.
É nesse momento em que aparecem debates sobre o conceito de gênero como o não-binário, fluido e constituído por comportamentos que compõem uma performance. Este momento de ressignificação da concepção de gênero e da sexualidade, ficou conhecido como teoria queer, o que abriu espaço para que, no feminismo, a heteronormatividade fosse questionada e se desenvolvesse o transfeminismo.
Outra esfera abordada nesse contexto é a do colonialismo e como os países hegemônicos influenciam a construção do feminismo nos países periféricos, fazendo com que o feminismo indígena e o pós colonial aderissem ao fator geopolítico do colonialismo em suas pautas.
Quarta onda:
As redes sociais são uma das responsáveis diretas por essa quarta onda. Ela acontece desde 2010 e marca a divulgação de ideias e militância através de blogs e sites, ampliando a voz e escalando globalmente denúncias de assédios com ajuda de ferramentas digitais.
Nesta quarta onda, a adesão por mulheres jovens é muito grande e significativa. Um grande exemplo foram as campanhas #niunaamenos de 2015 na Argentina e a norte-americana #metoo de 2017.
Outro grande marco, foi a Marcha das Vadias, organizada em 2011 por jovens estudantes canadenses contra a abordagem policial feita a uma jovem que tinha sofrido um estupro e que foi culpabilizada pela roupa com que estava vestida. Nesse mesmo ano a marcha foi realizada em outros países, incluindo o Brasil.
Não se nasce mulher, torna-se mulher.
As conquistas não acontecem de forma linear e ainda existe um grande caminho longo para que as mulheres tenham seu espaço habitado tanto quanto os homens. Podemos perceber grandes mudanças e avanços que são proporcionais ao mundo em que vivemos. Mas ainda existe muito a conquistar. Salários menores em cargos iguais, assédio moral e sexual, violência doméstica e feminicídio, são apenas alguns dos problemas ainda enfrentados por mulheres no seu dia a dia.
O Mapa da violência de 2015, mostra o Brasil como o 5º país mais violento para mulheres, atrás somente da Rússia, Guatemala, Colômbia e El Salvador (este último em 1º lugar) no ranking internacional de um total de 83 países.
Esses números assustam, mas também motivam projetos e iniciativas voltadas para as mulheres, como a ONU Mulheres, que promove a igualdade de gênero e o empoderamento feminino. Para isso, a ONU estabeleceu 7 princípios para o alcance dos resultados na tentativa de tornar o mundo um lugar melhor. São eles:
- • Estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de gênero, no mais alto nível;
- • Tratar todas as mulheres e homens de forma justa no trabalho, respeitando e apoiando os direitos humanos e a não-discriminação;
- • Garantir a saúde, a segurança e o bem-estar de todas as mulheres e homens que trabalham em uma empresa;
- • Promover educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres;
- • Apoiar o empreendedorismo de mulheres e promover políticas de empoderamento por meio das cadeias de suprimentos e marketing;
- • Promover a igualdade de gênero por meio de iniciativas voltadas à comunidade e ao ativismo social;
- • Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na promoção da igualdade de gênero.
A importância do feminismo acaba ficando evidente durante uma injustiça e muitas vezes é difícil até se entender como mulher no mundo, repensar sobre a opressão sofrida e até já acostumada. O machismo hoje ainda está enraizado dentro de nós, mesmo que não percebamos.
Mas para quem quiser fazer sua parte e não souber por onde começar, é importante reconhecer a importância da mulher como um membro ativo na sociedade e nos setores produtivos do país e dar o devido respeito a sua competência ao trabalho.
A valorização na comunidade, na política, saúde, educação e na tecnologia precisa ter seu devido valor e não apenas como domésticas não remuneradas e mães. Condições de trabalho e oportunidades iguais às dos homens são caminhos que precisam ser assegurados pelo governo, escolas e universidades, para que as mulheres tomem suas próprias decisões. Com isso, elas poderão ser protagonistas de suas vidas e escolher ser mães, chefes de família, empreendedoras e/ou CEOs.